Rússia: 5 chaves para compreender o desafio que o Grupo Wagner lançou a Putin ao enviar as suas tropas para Moscovo

Membros do grupo mercenário Wagner abandonam as instituições militares de Rostov-on-Don, onde assumiram o controlo.

Numa reviravolta inesperada, o líder do grupo mercenário Wagner, Yevgeny Prigozhin, parou o avanço das suas tropas em direção a Moscovo no sábado e ordenou-lhes que regressassem às suas bases para “evitar derramamento de sangue”.

A imprensa estatal russa informou que Prigozhin partirá para a Bielorrússia e que as acusações contra os seus combatentes serão retiradas.

A crise começou quando o líder do Grupo Wagner apelou a uma revolta contra o exército russo. O Presidente Vladimir Putin denunciou o apelo à rebelião como “traição” e chamou ao movimento das tropas “uma punhalada nas costas” num discurso televisivo.

Prigozhin, uma das principais figuras militares da Rússia e um aliado de longa data de Putin, disse que o seu objetivo não era “um golpe militar”, mas “uma marcha pela justiça”.

Aqui contamos como se desenrolaram os eventos que levaram a um dos maiores desafios contra Putin desde que ele assumiu o cargo há mais de duas décadas.

O início da rebelião

Yevgeny Prigozhin lançou um vídeo na sexta-feira dizendo que a justificação do Kremlin para invadir a Ucrânia foi baseada em mentiras inventadas pelo alto escalão do exército.

Numa série frenética de mensagens áudio, avisou que milhares de combatentes se dirigiam para Moscovo.

“Aqueles que destruíram os nossos rapazes, que destruíram a vida de muitas dezenas de milhares de soldados russos, serão punidos. Peço que ninguém ofereça resistência.

A Rússia acusou o líder do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, de incitar a uma “rebelião armada”.

Prigozhin afirmou que as suas acções não constituíam um golpe militar. O serviço de segurança nacional da Rússia, FSB, avisou que tinha aberto um processo criminal contra ele por ter apelado a um motim armado.

As suas declarações são “apelos ao início de um conflito civil armado em território russo”, declarou o serviço.

“Exortamos os… combatentes a não cometerem erros irreparáveis, a pararem qualquer ação de força contra o povo russo”, acrescentaram.

Nas primeiras horas de sábado (hora local), o líder rebelde anunciou que as suas forças tinham atravessado a fronteira da Ucrânia para o sul da Rússia e disse que estavam prontas para “ir até ao fim” contra os comandantes militares superiores.

Entretanto, a agência noticiosa estatal TASS informou que a segurança estava a ser reforçada em Moscovo, concentrando-se nos locais e infra-estruturas governamentais mais importantes da capital.

“Antes que seja demasiado tarde…. devem submeter-se à vontade e à ordem do Presidente do povo da Federação Russa. Parem as colunas e devolvam-nas às suas bases permanentes”, disse o general do exército Sergei Surovikin num vídeo.

Há meses que o líder do Grupo Wagner acusa abertamente os altos funcionários do comando, como o Ministro da Defesa Sergei Shoigu e o general Valery Gerasimov, de incompetência e de negarem munições e apoio à sua organização.

A gota de água que parece ter feito transbordar o copo é a acusação de que o exército russo lançou um ataque mortal com mísseis contra as tropas de Wagner na retaguarda da guerra da Ucrânia.

O avanço dos mercenários e a reação de Putin

O Presidente russo Vladimir Putin dirigiu-se à nação num discurso transmitido pela televisão.

Os rebeldes avançaram com a tomada de controlo da cidade de Rostov-on-Don, no sul da Rússia, um enclave importante porque alberga o quartel-general do comando russo envolvido na repressão das contra-ofensivas ucranianas.

Enquanto isto acontecia, o Ministério da Defesa russo emitiu um comunicado apelando aos mercenários para que abandonassem o seu líder.

Foram “enganados e arrastados para uma aventura criminosa”, refere o documento.

Prosseguindo a ofensiva, os membros do Grupo Wagner tomaram o controlo de instalações militares na cidade de Voronezh, situada a cerca de 500 quilómetros a sul de Moscovo.

À medida que as tropas mercenárias avançavam em direção à capital, Vladimir Putin fez um discurso na televisão, prometendo esmagar aquilo a que chamou “um motim armado”.

Acusou o líder do grupo de traição, de embarcar numa rebelião armada e de dar ao seu país “uma facada nas costas”.

Posteriormente, helicópteros militares russos abriram fogo sobre um comboio de mercenários que se encontrava a mais de meio caminho de Moscovo, num avanço relâmpago após a tomada de Rostov durante a noite.

As horas decisivas

Os membros do Grupo Wagner chegaram a Rostov-on-Don nas primeiras horas da manhã de sábado.

Mais tarde, Sergei Naryshkin, chefe dos serviços secretos russos, declarou que era evidente que a tentativa de Prigozhin de desestabilizar o país e iniciar uma guerra civil tinha falhado, segundo a agência noticiosa estatal TASS.

Por seu lado, o Presidente turco Tayyip Erdogan comunicou com Putin e pediu-lhe que actuasse com “bom senso”, de acordo com informações fornecidas pela presidência turca.

E o governo bielorrusso emitiu uma declaração reafirmando a sua aliança com a Rússia.

Entretanto, a Casa Branca informou que o Presidente dos EUA, Joe Biden, comunicou com os líderes da França, Alemanha e Reino Unido, confirmando o seu apoio à Ucrânia.

Numa altura em que a tensão e a incerteza atingiram o seu auge, a agência noticiosa TASS informou que o governo ofereceu uma amnistia aos combatentes wagnerianos se depusessem as armas.

Foi nessa altura que o gabinete do Presidente bielorrusso Alexander Lukashenko anunciou que tinha negociado um acordo com Prigozhin.

Numa reviravolta radical, o líder wagneriano declarou ter ordenado aos seus combatentes que interrompessem o avanço em direção a Moscovo e regressassem às suas bases para “evitar derramamento de sangue”.

Poucas horas depois, os meios de comunicação social estatais russos noticiaram que Prigozhin partiria para a Bielorrússia e que as acusações contra os seus mercenários seriam retiradas na sequência da rebelião.

A rutura das relações

Os laços estreitos de Prigozhin com o Kremlin e com o próprio Putin datam de há muitos anos.

Prigozhin e Putin durante um jantar em 2011.

De facto, o Grupo Wagner terá defendido os interesses russos na Síria e na Líbia, bem como no Sudão ou na República Centro-Africana.

No entanto, nos últimos meses, Prigozhin acusou repetidamente o ministro da Defesa russo e o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas de terem deliberadamente retirado o apoio às unidades Wagner que combatiam na Ucrânia.

Os últimos acontecimentos tornaram claro que a rutura das relações estava a atingir rapidamente um ponto de não retorno.

Os membros de Wagner foram despedidos com vivas de Rostov-on-Don.

O que é que vai acontecer ao Grupo Wagner?

A transferência de Yevgeny Prigozhin para a Bielorrússia e a absorção dos combatentes Wagner pelo exército russo podem significar o fim do famoso grupo de mercenários, segundo Andrew D’Anieri, do Atlantic Council, um grupo de reflexão norte-americano.

D’Anieri considera que é difícil saber exatamente o que vai acontecer, dada a natureza caótica e pouco clara das informações provenientes da Rússia.

Mas também considera que a retirada de Wagner não significa que todas as empresas militares privadas na Rússia tenham sido “postas de lado”.

“Embora sejam tecnicamente ilegais na Rússia, assistimos a uma proliferação delas nos últimos 12 meses”.

D’Anieri observa que, nos últimos dias, se tornou claro “quão pequeno é o círculo de decisão em Moscovo” e quão frágil é a autoridade de Vladimir Putin.

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