Em 2010, depois de alguns anos a trabalhar em Valdivia, o argentino Juan Manuel Córdoba deu o salto da Calle Calle para a seleção nacional de basquetebol do Chile.
Pouco tempo depois, em julho, preparando a participação no Campeonato Sul-Americano Masculino a disputar na Colômbia, com “Manu” no banco, a “Roja Sin Mangas” venceu a Argentina no segundo de uma série de quatro amigáveis de preparação. A vitória no ginásio Municipal de San Bernardo não foi trivial, já que o quinteto transandino contava com oito jogadores que, no final, seriam campeões do mundo com a “Albiceleste”, como o gigante Román González, Marcos Mata e Leonardo Mainoldi, entre outros. Nessa altura, a equipa vizinha já era uma potência mundial, incluindo o ouro olímpico.
Em meados de 2023, 13 anos depois, após uma tentativa falhada de contratar o porto-riquenho Juan Cardona como selecionador nacional, a Federação Chilena de Basquetebol optou por repatriar o próprio Córdoba da Colômbia. O natural de Nicole estava a treinar na liga “café” e não hesitou em aceitar o desafio. Ele sabia que havia material para fazer a “Roja” crescer.
Antes do regresso de “Manu” à seleção nacional, houve alguns contratempos dolorosos.
Com uma geração que, de forma inédita, tinha muitos expoentes a jogar a bom nível nos Estados Unidos e na Europa, a seleção nacional não conseguiu ter um desempenho que reflectisse essa descolagem. Mesmo com Cristián Santander no banco, em 2022 esteve perto de avançar nas eliminatórias para o Mundial, mas uma inesperada derrota do Brasil frente à Colômbia encerrou esse ciclo com grande frustração.
Era altura de Córdoba regressar à camisola vermelha, com a contratação de Cardona, que nunca tinha dirigido a seleção nacional.
A escolha da direção presidida por Iran Arcos era um dado adquirido.
Com o Campeonato Pan-Americano no horizonte, e com a fase de classificação para a Americup e para os playoffs olímpicos logo ali na esquina, o técnico argentino era a escolha óbvia para a seleção nacional. Não só pelos títulos conquistados na liga local, mas também porque – há uma década – “Manu” havia sido fundamental na formação da geração de jogadores que hoje é a base da “Roja”.
A equipa que, no domingo à noite, derrotou uma Argentina brilhante, liderada pelas antigas estrelas da NBA e do Real Madrid, Facundo Campazzo e Gabriel Deck, tem uma história particular.
Por exemplo, era 2012 quando Nicolás Carvacho chegou ao Chile vindo de Nashville. Ele chegou perseguindo um sonho. O seu destino era San Carlos de Apoquindo, onde chegou para se tornar… um guarda-redes de futebol. Na Universidad Católica, trabalhou com o então guarda-redes Nelson Tapia. O ex-jogador da seleção nacional rapidamente alertou o seu filho João, então treinador de basquetebol, para a presença do jovem de dois metros de altura e 15 anos, que por sua vez telefonou a Córdoba, treinador da “Roja Sin Mangas”, que preparava a equipa de sub-16 para um Pré-Mundial em Maldonado. Rapidamente puseram em ordem o projeto do guarda-redes e transformaram-no num jogador de basquetebol. No Uruguai, um dos treinadores adjuntos das Bahamas viu-o e, ao longo dos anos, recrutou-o para a Colorado State University, onde trabalhou. E lá, Carvacho virou o “Big Chile”, tornando-se um dos maiores reboteiros da competição universitária.
Mas a história desta equipa fantástica tem mais voltas e reviravoltas.
Depois de ter sido despedido em 2012 da “Roja” pelo então presidente da federação Miguel Herrera, Córdoba foi para Osorno para gerir a equipa. Lá, recrutou para os “Toros” um jogador formado na Universidade Católica, Sebastián Herrera. O jogador natural da capital foi viver com outro projeto do clube do sul, Felipe Hasse. Vivendo juntos, o proprietário da casa está convencido de uma ideia que o exUC já tinha em mente: ser jogador profissional de basquetebol e ultrapassar as fronteiras.
E assim, tudo parecia juntar-se para os dois, pois mais uma feliz coincidência continuava a abrir caminho para o sucesso de uma geração dotada de talento e fome.
O pai de Herrera, Ricardo, um homem do basquetebol, conhecia Jorge O’Ryan, antigo campeão da Dimayor Coast e ex-presidente da La Católica, antes de o advogado e diplomata de carreira ser nomeado embaixador na Alemanha. Graças a uma conversa entre os dois, e ao impulso do natural de Puerto Montt, o Chile foi convidado em 2014 para o Torneio Albert Schweitzer em Mannheim, uma espécie de Campeonato do Mundo de Sub-18 que se realiza de dois em dois anos.
Córdoba foi para lá com Herrera, Hasse e Carvacho. O base Nicolás Aguirre, escolhido como o jogador mais talentoso dessa edição do torneio, também esteve presente. O plantel era composto por outros nomes que fazem parte do atual processo da Roja adulta, como Carlos Lauler e Diego Low, de Puntarenas. Apesar de o resultado final não ter sido marcante, aquela equipa venceu a França em duplo prolongamento e bateu outras potências, chamando a atenção de todos os observadores. E, de facto, foi assim que Herrera passou a jogar na Alemanha, onde esteve até há poucos meses, antes de se transferir para o Paris Basketball.
A essa geração juntam-se alguns jogadores mais jovens, que em 2017 deram ao Chile o título sul-americano de sub-17, como Maxwell Lorca, Lino Sáez e, sobretudo, Ignacio Varela, que depois de uma breve passagem pelos Estados Unidos se radicou em Espanha, onde terminou a sua formação no prestigiado Estudiantes de Madrid, antes de continuar a sua carreira profissional na promoção do basquetebol hispânico. Felipe Inyaco, que hoje brilha no Obras de Argentina, também pertence a essa geração, mas não disputou o torneio do título, embora tenha participado da Copa do Mundo seguinte.
Atualmente, aos nomes que iniciaram o trabalho em Maldonado 2012, juntaram-se alguns jogadores mais experientes, como Gerardo Isla ou Franco Morales, e também alguns mais jovens, como o emergente Aitor Pickett, que joga na promoção alemã.
Com uma base de jogadores “elegíveis” mais alargada do que há menos de um ano, com muito sangue novo e vários a jogar em boas equipas europeias, com Córdoba como mentor de uma geração, a seleção chilena de basquetebol começa a reviver os louros de décadas passadas. Já venceram o Uruguai pela primeira vez em meio século num jogo oficial. Depois, na sua primeira participação pan-americana – graças ao facto de ser local – não ficou longe do pódio. E agora está a vencer uma Argentina estelar, algo que não acontecia numa competição desde 1955. Quase 69 anos que foram esquecidos graças à façanha dominical da “Roja Sin Mangas” no Coliseu Antonio Azurmendy, em Valdivia.